9.3.09

Como disse?


cena: estou confortavelmente refastelado no meu café de eleição em khajuraho, com vista para as esculturas marotas (noutra altura explico), quando se senta na mesa da frente um senhor dos seus sessenta e muitos, cabelo completamente branco e um dos meus livros favoritos debaixo do braço. tem um ar simpático, o senhor, um ar de avô doce, e veste uma kurta branca que ainda por cima lhe dá todo o aspecto de um plácido padre da beira interior. uma presença benigna portanto, e tudo melhora quando se põe ao telefone

"listen, i was thinking about our plan for the ashram school. can we not start with the rotary funding we already have? it's quite urgent, you see. no? must we really wait for july then? what a shame."

é americano, bem posto na vida, e com um interesse desinteressado - imagino - na educação e progresso deste desafortunado país. ah, ainda há gente assim. chega-lhe entrementes a omelete que tinha pedido. assim que leva à boca a primeira garfada, explode em direcção ao empregado de mesa

"hey bhay, come here at once. have you not learnt to do your job properly? there is no salt and pepper on this table, what is this nonsense? what do i have to do to get some service here? you people are just so thoughtless."

o pároco beirão transforma-se diante dos meus olhos no estereótipo do colono britânico. ainda há gente assim?

isto criou-me um problema, uma dúvida de julgamento. será que estou certo (por instinto) em duvidar das primitivas intenções do benemérito apenas por aquele momento de vileza? poderá certamente ser um caso clássico de olha para o que eu digo não olhes para o que eu faço. ou será que podemos confiar na honestidade de quem nos diz "todos os seres humanos são meus irmãos excepto se forem pobres" ou "sou louco por velhinhos mas não posso com bebés" ou ainda "não suporto pretos mas os gatinhos siameses derretem-me o coração"? não sei se haverá quem seja capaz da bondade integral. é que não sei mesmo.

2 comentários:

Anónimo disse...

É por esses senhores existirem que loiras como eu passam por inglesas a serem tratadas à lá boa moda trance (inglesa fácil) ou à lá boa moda colonial (inglesa detestável).

Tirando isso, também tenho a minha boa conta de sentimento anti-colonialista português e às vezes não é tão fácil seguir o meu caminho de investigação. Já tive situações em que me senti atacada directamente e a braços com a necessidade de explicar que nem todos os portugueses são maus portugueses assim como todos os indianos são bons indianos...o mesmo se aplica a todas as nações e meter todos no mesmo saco é um erro infelizmente bastante comum.

Como não tenciono mudar a cor do cabelo (até porque a cor da pele levava à mesma coisa) tenho mesmo é de ganhar coragem para todo o tipo de comentários que possam vir. Até porque no fim, o que conta mesmo é o que a imagem do meu trabalho de investigação traz: seriedade.

mb disse...

Oh valha-me Santa Engrácia!! Ou Maria Madalena, quiçá... E é mesmo verdade que estamos em pleno séc.XXI? Como disse,séc. XXI????