30.4.11

Arroz

não sei bem como - não me lembro de o ter ouvido recentemente -, hoje acordei com o carlos paião na cabeça a cantar sobre o pó de arroz. o arroz, vejamos bem, é digno do nosso respeito e, se acaso fosse criatura capaz de o apreciar, mereceria o nosso reconhecimento. mais ainda nesta ásia que agora me sustenta e cuja antiquíssima civilização se fica a dever em grande medida ao bago em questão. mas não vou aqui insistir em atravessar muitos séculos, recuo apenas até ao verão passado e a um passeio em que tive a feliz companhia de uma mão-cheia de amigos especiais.

num português muito prosaico e estéril, 龍勝 traduzir-se-ia por 'espinha dorsal do dragão'. ainda que a imagem seja bonita e apropriada, aceitemos por favor transliterar o nome chinês: longsheng fica para as bandas do sul da china, a duas horas de guilin, e, talvez à conta do magnetismo turístico da vizinha, não recebe tantos visitantes como seria de esperar. na verdade, os atractivos não são menores: uma extensão de monumentais arrozais centenários plantados em socalcos, abraçados a encostas de uma inclinação capaz de nos dobrar as nossas próprias espinhas. dizem que é lindo na primavera, quando a água dos arrozais espelha o céu; dizem que é lindo no outono, quando as plantas estão douradas e prontas a colher; dizem ainda que é lindo no inverno, quando os socalcos se cobrem de neve. pois nós fomos no pico do verão, e lindo era.

aninhada no meio dos campos, numa curva apertada do vale, fica a aldeia de madeira por onde corre um vital fio de água. aqui dorme-se por tuta e meia e come-se com vista para um sortido de verdes e um sossego raro: para os mais aventurosos, ratos do bambu fresquinhos a saltar; para os mais convencionais, e sem fugir muito aos tópicos do momento, arroz (isso mesmo) com galinha cozidos a vapor dentro de uma cana de bambu. adicionemos a isto a possibilidade de uma massagem aos pés, e estão esgotadas as actividades que a aldeia oferece; a menos, claro está, que sejamos gente inclinada a apreciar a diversidade humana, já que estas ladeiras são a mátria de algumas das minorias étnicas da china.

longsheng é terra dos miao, coqueluche dos antropólogos por as suas mulheres usarem os cabelos mais compridos do planeta - como aliás demonstrarão com prazer ao visitante incauto a troco de certa e determinada quantia de yuan; coqueluche ainda dos linguistas por o seu idioma ser membro maior de um pequeno grupo de línguas, dispersas daqui até à birmânia, tão diversas das restantes do sudeste asiático que ainda hoje se aceita constituírem uma família independente: a família miao-yao, ou hmong-mien. 'fascinante', dirão alguns. e com esta bocada de curiosidades vos deixo, que começa a escurecer e impõe-se planear o arroz do jantar.

6 comentários:

mb disse...

Já te disse que é maravilhoso ler-"te"? E ter o privilégio de apreciar as imagens que tão fielmente (assim o considero) consegues reproduzir dos sítios por onde passas é igualmente fantástico!!! Gostava que gostava de fazer parte dessa mão cheia que referes...

A sua vida é ríquissima Herlindo :)

H. Cardoso disse...

Bondade sua, Madalena, bondade sua... Mas admito que não tenho muita razão de queixa no que diz respeito a oportunidades de cirandagem. Por isso, acredite, fica mais do que convidada para integrar a próxima mão-cheia! :)

Sof disse...

Foi sem dúvida um prazer fazer parte dessa mão-cheia que visitou alguns dos recantos mais fantásticos onde já estive e onde a riqueza da paisagem e tranquilidade das gentes desses lugares foi sem dúvida acompanhada de um divertimento e uma amizade sem igual. (Isto tudo foi para te engraxar na tentativa de ainda ter uma visita tua em Moçambique). Na na na na na na na na na na na na na na na na na na na na...

H. Cardoso disse...

Ai, caríssima Sof, não precisas de engraxar para me convenceres a passear! O único impedimento são - como direi - os constrangimentos do ganha-pão. :(

E concordo contigo: se a viagem e as paisagens foram boas, o que tornou tudo mais especial foi a companhia. Espero que se repita...

Na na na na na na na na na na na na!

Doc disse...

"espinha dorsal do dragão"! Que nome fabuloso e tão apropriado! Que paisagem fantástica! Nós não tivemos o privilegio de conhecer "in loco" esta paisagem, nem tão pouco de desfrutar da vossa companhia... Mas temos o privilegio de ter-vos no coração onde quer que vocês estejam! Bruno e Diana

H. Cardoso disse...

Caros Doc e Di. Agora comoveram-me...